Por Kelly Freire Neuropsicanalista

Entre as páginas do livro O Brincar e a Realidade, Winnicott vai discorrer sobre alguns conceitos de sua obra como por exemplo: objetos transicionais e fenômenos transicionais, entremeados pelo conceito da mãe suficientemente boa, ele também vai falar sobre a importância do sonhar, fantasiar e viver, e também vai abordar o brincar como atividade criativa e a busca pelo self, bem como a relevância da criatividade para o que chamamos hoje de saúde mental.

Para Winnicott existe uma “área intermediária” de experiência entre os aspectos internos e externos ao bebê (e pode se considerar também no adulto). Para esta área ele introduziu os conceitos de “objetos transicionais” e “fenômenos transacionais”. Segundo Winnicott estes conceitos representam a base experiencial primitiva, e a “mãe suficientemente boa” tem um papel fundamental no intuito de efetuar as adaptações às necessidades do bebê diante de seu processo evolutivo, principalmente no tocante a transição do bebê que, nos primórdios, percebe-se fundido com a mãe, para um estádio em que percebe a mãe como um objeto separado de si.

Winnicott também desenvolveu o conceito de ambiente facilitador em que enfatizava a importância do ambiente para o desenvolvimento saudável da criança. Isso inclui tanto o ambiente físico (casa, família, cuidadores) quanto o ambiente emocional (relacionamentos, interações). Um ambiente facilitador é aquele que oferece apoio, segurança e permite à criança explorar e expressar seu verdadeiro self.

Winnicott expõe de forma bastante clara o quanto o brincar é importante para um processo terapêutico. Independente da idade cronológica do sujeito, não deixando de evidenciar a importância do brincar na fase infantil, ele demonstra através de sua teoria, que o brincar tem um correlação direta com o processo evolutivo, na medida que ele estabelece uma relação entre o brincar sozinho, o brincar compartilhado e a transição para experiências culturais.

Ressalvando que o brincar, para Winnicott tem uma correlação com a atividade criativa, que extrapola o sentido apenas das artes em si, com a busca do self. Para ele somente quando um sujeito, seja ele adulto ou criança, pode ser criativo, no sentido da elaboração de ideias, descobre o eu(self)

Winnicott afirma que o adolescente é imaturo. Não como uma característica pejorativa, mas sim como uma constatação do processo evolutivo, inclusive ele entende que essa imaturidade é um elemento essencial da saúde na adolescência.

Isto posto, Winnicott considera uma parte importante para o crescimento o ambiente facilitador, por considerar que este gera influência na construção da subjetividade e na integração do sujeito. Assim como Winnicott enfatizava a importância de um ambiente facilitador na infância, a educação superior pode beneficiar os estudantes ao fornecer um ambiente de aprendizado que seja seguro, encorajador e estimulante. Isso inclui não apenas a qualidade do ensino, mas também o apoio emocional e social oferecido pela instituição, incluindo serviços de aconselhamento, grupos de apoio e atividades extracurriculares.

A imaturidade tem uma correlação com a atividade criativa inerente ao adolescente, bem aos processos idealizadores deste período em que o sujeito percebe tudo como factível sem que isso implique numa visão a longo prazo ou coletiva em seu significado mais amplo.

Winnicott (1975, pág. 232) dá um conselho para a sociedade:

“por amor aos adolescentes, e à sua imaturidade, não lhes permitam crescer e atingir
uma falsa maturidade, transmitindo-lhes uma responsabilidade que ainda
não é deles, mesmo que possam lutar por ela.”

Conceitos centrais da clínica winnicottiana

A abordagem clínica de Winnicott é caracterizada por uma compreensão profunda da dinâmica entre o paciente e o terapeuta, dando atenção a criação de um ambiente terapêutico seguro e facilitador para a exploração emocional e o crescimento psicológico. Alguns dos conceitos centrais da clínica winnicottiana incluem o setting (ambiente terapêutico), a regressão, a interpretação, além dos conceitos teóricos da mãe suficientemente boa, das funções maternas, como o holding e o handling, ambiente facilitador, falso e verdadeiro self, e objeto e fenômenos transacionais.

Setting (ambiente terapêutico): O setting refere-se ao ambiente físico e emocional no qual a terapia ocorre. Winnicott, em conformidade com sua teoria de ambiente facilitador, enfatizava a importância de criar um ambiente seguro e consistente para o paciente, onde ele pudesse se sentir à vontade para explorar seus pensamentos, sentimentos e experiências sem julgamento. Segundo Nasio (1995) o que norteou o conjunto dos trabalhos de Winnicott foi a necessidade de criar um ambiente novo e adaptado a cada paciente.

Interpretação: Winnicott tinha uma abordagem única em relação à interpretação na terapia. Ele valorizava mais a adaptação do terapeuta ao paciente do que a aplicação de interpretações abstratas ou teóricas. Ele enfatizava a importância de fornecer interpretações que fossem relevantes e significativas para o paciente no momento presente, e não simplesmente impor interpretações predefinidas. Winnicott acreditava que as interpretações devem ser oferecidas de forma gradual e cuidadosa, respeitando o ritmo e as necessidades emocionais do paciente.

Regressão: A regressão no contexto winnicottiano não é vista como um retrocesso negativo, mas sim como uma oportunidade para o paciente revisitar e elaborar questões não resolvidas do desenvolvimento emocional. Isso ocorre dentro do “espaço transicional”, um conceito fundamental em sua teoria.

Mãe suficientemente boa: a mãe suficientemente boa é aquela capaz de atender às necessidades básicas do bebê de maneira consistente e empática, proporcionando um ambiente seguro e amoroso que permita ao bebê desenvolver um senso de confiança e segurança. A mãe suficientemente boa não precisa ser perfeita, mas sim capaz de proporcionar um ambiente que permita ao bebê enfrentar os inevitáveis desafios do crescimento e desenvolvimento. Entenda-se “mãe” ou quem for o responsável pelos cuidados daquele bebê.

Holding e handling: “holding” refere-se à capacidade do cuidador de oferecer um ambiente seguro e contenedor para o bebê, proporcionando uma sensação de continuidade e proteção, enquanto “handling” refere-se às interações físicas do cuidador com o bebê, como segurar, alimentar e cuidar, que são realizadas de maneira sensível e responsiva para promover o bem-estar físico do bebê, proporcionando uma união entre sua vida psíquica e seu corpo.

Ambiente facilitador: Winnicott incluiu na prática psicanalítica a importância do ambiente facilitador para o desenvolvimento saudável da criança. Isso inclui tanto o ambiente físico (casa, família, cuidadores) quanto o ambiente emocional (relacionamentos, interações). Um ambiente facilitador é aquele que oferece apoio, segurança e permite à criança explorar e expressar seu verdadeiro self.

Falso e verdadeiro self: o falso self é uma construção defensiva formada a partir de expectativas externas e pressões sociais, que segundo Nasio (1995) a capacidade de adaptação ao ambiente se torna hipertrofiada. O verdadeiro self é a expressão autêntica e genuína do indivíduo, representando seus impulsos, desejos e identidade verdadeira. O falso self muitas vezes se forma como uma resposta adaptativa a ambientes hostis ou carentes, enquanto o verdadeiro self é o núcleo autêntico da personalidade, que busca expressão e desenvolvimento genuíno.

Objeto e fenômenos transacionais: objeto transacional refere-se a um objeto (geralmente uma pessoa ou objeto físico) que o bebê percebe como uma extensão de si mesmo durante as fases iniciais de desenvolvimento. Esse objeto é fundamental para estabelecer a transição entre o bebê e o mundo externo. Já o fenômeno transacional é a interação dinâmica entre o bebê e o ambiente, incluindo os objetos transacionais, onde a realidade interna e externa se encontram e se entrelaçam. Esse conceito enfatiza a importância das relações interpessoais e das experiências compartilhadas na formação da identidade e do desenvolvimento emocional saudável.

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