Por Kelly Freire Neuropsicanalista

Você sente culpa?
Ou tem uma voz da autocrítica que te massacra?

Talvez sejam sintomas de um estado chamado de Melancolia, você já ouviu falar nisso?

É diferente da depressão e do luto, mas causa um imenso sofrimento psicológico.

A melancolia, no ponto de vista freudiano, é um conceito complexo que Freud explora no ensaio “Luto e Melancolia” (1917). Ele faz uma distinção entre o luto, que é uma reação normal à perda de um objeto amado, e a melancolia, que é uma forma patológica e mais profunda de sofrimento psicológico.

E talvez muitos de nós estejamos passando por isso e nem sabemos do que se trata…

O que é essa tal melancolia e como ela interfere em nossa vida?
Quais os prejuízos que ela causa e como sair dessa?

Para Freud, a melancolia se assemelha ao luto, mas é marcada por características distintas e mais intensas. Enquanto no luto o indivíduo sente tristeza pela perda de alguém ou algo significativo, na melancolia, essa perda é ambígua e, muitas vezes, inconsciente.

A pessoa melancólica pode não saber exatamente o que perdeu ou, em alguns casos, a perda pode estar relacionada a um objeto interno, uma parte do ego ou algo que a própria pessoa não reconhece plenamente. Por isso gerar um estado de sofrimento intenso e duradouro.

Freud sugere que, na melancolia, há uma identificação intensa com o objeto perdido, com esse objeto, que pode ser qualquer coisa interna ou externa, e que a pessoa nem sabe direito o que é. O ego da pessoa melancólica se funde com esse objeto, e, ao invés de apenas sentir a perda, o indivíduo ataca a si mesmo como se estivesse atacando o objeto perdido. É como se o sentimento retornasse para si mesmo.
Isso resulta numa auto-reprovação intensa, sentimento de culpa e baixa autoestima. Daí a culpa que você pode estar sentindo…

Vou abrir um parênteses para tentar explicar o que é objeto para a psicanálise.

Na teoria psicanalítica, o “objeto” refere-se a qualquer coisa ou pessoa para a qual uma pulsão (como amor, desejo, ódio) é dirigida. Pode ser um objeto externo (como outra pessoa) ou interno (como partes do próprio ego ou fantasias).

O “objeto” é essencial para a satisfação das necessidades emocionais e instintivas, e seu significado é definido pelo papel que desempenha nas relações afetivas e nos desejos inconscientes de uma pessoa.

Continuando minhas reflexões sobre a melancolia…

A pessoa melancólica costuma ser dominada por sentimentos de culpa e uma autocrítica severa. Freud acredita que essa culpa está relacionada ao inconsciente, onde há conflitos e ambivalências não resolvidas em relação ao objeto perdido. Em outras palavras, a pessoa melancólica pode ter sentimentos mistos (amor e ódio) em relação ao objeto, e o ódio é então direcionado para si mesma após a perda.

E quais são os prejuízos causados pela melancolia?

O primeiro deles é a baixa autoestima e auto agressão.

Uma das características mais marcantes da melancolia é a baixa autoestima e a auto agressão. A pessoa melancólica se vê como inútil, inferior ou desprovida de valor, o que pode levar a pensamentos e comportamentos autodestrutivos.

Um outro prejuízo é a inibição e incapacidade de desfrutar a vida

A melancolia provoca uma inibição significativa nas atividades da vida diária. A pessoa pode perder o interesse por coisas que antes lhe davam prazer, como hobbies, trabalho ou relacionamentos sociais. Isso pode levar a um isolamento social e a uma diminuição da capacidade funcional.

Outro prejuízo são os sintomas depressivos severos.

A melancolia pode manifestar sintomas graves de depressão, como tristeza profunda, desesperança, falta de energia, distúrbios de sono, perda de apetite e até pensamentos suicidas. Esses sintomas diferem dos do luto normal por sua intensidade e duração prolongada.

E por último e extremamente importante de se falar é a culpa patológica e ideação suicida.

A culpa na melancolia é desproporcional e não está diretamente relacionada a uma falha real. Muitas vezes, essa culpa está ligada a questões inconscientes e pode se transformar em uma ideação suicida, na qual a pessoa sente que é tão culpada ou desmerecedora de viver que a única solução é o fim.

Para Freud, a melancolia é um distúrbio psicológico profundo que envolve uma perda inconsciente de um objeto amado e a subsequente identificação desse objeto com o ego, levando a uma intensa auto-reprovação e a sintomas depressivos graves. Essa condição causa um sofrimento significativo e pode impactar drasticamente a qualidade de vida da pessoa, com riscos para sua saúde mental e física.

Lidar e buscar a cura da melancolia envolve principalmente o trabalho terapêutico, no qual a pessoa é ajudada a trazer à consciência os conflitos inconscientes, sentimentos reprimidos e a natureza da “perda” que originou o estado melancólico.

Durante a terapia, o analista observa como o paciente transfere sentimentos e atitudes inconscientes (que originalmente são dirigidos a outras figuras importantes, como pais ou parceiros) para o terapeuta. Essa transferência pode ajudar a revelar os conflitos internos e a natureza dos objetos perdidos que causam a melancolia.

Através da livre associação, o paciente é encorajado a falar livremente sobre pensamentos, sonhos e memórias. Isso pode ajudar a trazer à tona conteúdos inconscientes, como sentimentos ambivalentes (amor e ódio) em relação ao objeto perdido, que precisam ser reconhecidos e elaborados.

O tratamento busca ajudar o paciente a entender o que exatamente foi perdido e por que essa perda causou um impacto tão profundo. Esse processo pode envolver a reconstrução de experiências de infância, vínculos afetivos e traumas que contribuíram para a estrutura melancólica.

Freud identificou que o sentimento de culpa é central na melancolia. O terapeuta ajuda o paciente a entender que essa culpa é desproporcional e muitas vezes está relacionada a conflitos inconscientes, como agressividade reprimida ou desejo ambivalente, e não a falhas reais do ego.

A terapia também visa fortalecer o ego do paciente, ajudando-o a distinguir entre suas próprias características e as projeções do objeto perdido. Isso pode envolver o desenvolvimento de uma autoimagem mais otimista e menos crítica. Auxiliando na reconstrução da sua autoestima.

A cura da melancolia, na perspectiva psicanalítica, envolve a pessoa ser capaz de integrar as partes conflitantes de si mesmo, resolver a identificação com o objeto perdido, e redirecionar as pulsões e desejos para novos objetos e experiências mais saudáveis. Isso permite que a pessoa reconstrua sua capacidade de investimento emocional em novas pessoas, projetos e interesses, recuperando o sentido de prazer e satisfação na vida, ou seja, a pessoa passa a se interessar por novos assuntos, novos projetos, novos compromissos…..

Essas intervenções, no entanto, podem levar algum tempo e exigem um comprometimento com o processo terapêutico, já que a melancolia é um estado profundo e complexo da psique.

Lembre-se sempre: se precisar de ajuda busque ajuda profissional! Não subestime a sua saúde mental!

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

×